segunda-feira, 30 de maio de 2011

Perfil de mulher

D. Beleza andou pelo teu rosto
E, feiticeira, deu-te o seu condão,
E foi, D. Alegria, de bom gosto,
Deu-te o riso melhor do coração!

Anda dizendo um poema de sol-posto
O teu semblante etéreo de ilusão,
Que até me faz pensar - n'um mês de agosto -
Na lua etérea a irradiar clarão.



Tu tens a suavidade purpurina,
De tudo que cintila e que fascina,
De tudo que é carícia e que é leveza...

Bendita seja a terra caprichosa,
Que te agasalha o vulto cor de rosa
E te acoberta o talho de princesa!...

Fortaleza, 1927

domingo, 29 de maio de 2011

Eterna História

Em pleno carnaval,
Numa alegria rubra, doida, sem igual,
A humanidade ri...
Delira, canta desvairadamente,
Enquanto eu tão somente
Sozinho penso em ti!

Altissonante, a carne moça canta,
Pela enormíssima garganta
da multidão!
E ao longe, os guizos de ouro gargalhando
Parece que vão zombando
Da minha solidão!

No rebrilhar das fantasias
Que enfeitam as ruas nos Três Dias
Há luxo e esplendor!
Somente no meu quarto pobrezinho,
Falta a seda sutil do teu carinho
E falta o teu calor!

Folia de pobres, carnaval penoso,
Só no teu riso que aparenta gozo
Carnaval de desventura,
Acho consolo para as cruas dores
Que vem dos seus olhos sonhadores
Para os meus olhos de tristura!...

Realengo, RJ, 1929

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Farol de Mucuripe

Farol de Mucuripe encantador,
Tristíssimo farol,
Distante do meu amor,
Sou como tu se faz sol

No teu eterno piscar d’olhos,
Neste incessante piscar,
Vais apontando os escolhos
Aos que navegam no mar...

Quantas vezes te olhei quando criança
E que saudades agora!
Tu és um emblema de esperança
Para os olhos que andam fora!

...E as tuas dunas alvadias,
E os teus verdes coqueirais
Lembram ingênuas poesias gravadas nos areais!...

Quando te vejo do oceano,
Sozinho, na escuridão,
Sinto, farol, que és humano,
Que também tens coração!

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

Farol tristonho que deixei piscando
Num piscar d’olhos compassado e infinito,
- ouve estes versos que escrevi chorando,
- ouve estes versos que escrevi partindo!

À bordo do “Almirante Jaceguay”, 1928

NOTA: O autor, meu pai, escreveu este poema, partindo do Ceará, sozinho, solteiro, no Navio “Almirante Jaceguay”, em 1928, com destino ao Rio de Janeiro, onde cursaria a Academia Militar de Realengo da qual sairia Aspirante a Oficial de Infantaria, na turma de 1931.
A foto que encontrei para ilustrar o poema, é de uma viagem que ele realizou no mesmo navio, em 1939, já casado com minha mãe, levando-a à bordo com um filho do casamento anterior dele, e uma filha do então casamento atual. Viajavam retornando ao Ceará, procedentes de Blumenau.
Presumo, por análises diversas que a última estrofe foi acrescentada por ele, separada das demais por uma linha pontilhada, nesta viagem de retorno.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Recordações

Ao som da etérea melodia
daquele tango sentimental
eras tu a falena mais esguia
que eu vi bailando pelo carnaval.

Já vai bem longe o tempo... entanto agora,
O livro do passado examinando,
Ainda a voz do violino chora,
                                                       E eu te recordo... qual te vi bailando!...

Vejo os teus olhos, vejo o teu sorriso
E o teu semblante régio-rosicler!...
- E vem-me ao pensamento um paraíso
para o teu corpo eleito de mulher...

Fortaleza, 1928

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Para os teus cabelos

O teu cabelo louro
Caído suavemente pelo rosto,
Lembra-me um sol riquíssimo de ouro
Boiando em nuvens de manhãs de agosto.

Meu poema rico de arrebol,
Os teus cabelos são
Gargalhadas rútilas de sol
No róseo céu da minha devoção!

Esconde esses cabelos por piedade,
não os deixe a ondular!
Que eles me matam de saudade
que eles me matam de chorar!

Fortaleza, 1926

domingo, 22 de maio de 2011

Brumas

Tristeza
é a dor que a gente tem,
em meio à natureza
Sozinho sem ninguém...

É a voz do insatisfeito,
eternamente incalma,
cavando em nosso peito
a sepultura d'alma...

É a saudade infinita
de tudo o que passou...
- dos róseos lábios da mulher bonita
que a gente não beijou...

Fortaleza, 1926

sábado, 21 de maio de 2011

Para os teus olhos

Olhos que vi um dia dormitando nos meus olhos parados de tristeza...
em vós há um doce eflúvio me acordando
n'alma tristonha um canto de beleza.

Olhos mortos de lago adormecido
Num calado frouxel de solidão
Sois o filtro melhor que eu hei sentido
                                                        Tombar no meu deserto coração!

Por isto - assim de longe - qual criança,
Sem o sentir eu ponho-me a chorar
- com saudades da gota de esperança
que nunca mais voltou ao meu olhar!

Fortaleza, 1926

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A uma pedra

No teu sonhar eterno e indiferente
Nessa atitude imensa de rochedo,
Quem poderá, ó pedra, ter na mente,
O inatingível grau do teu segredo?!

Quando passa por ti o homem, nem sente
A mais atomica sensação de medo,
não sabe que tens alma como a gente, e,
muda, arrostas um destino trêdo.

Não sabe que sofreste no passado
E agora tens um coração gelado
Onde nem mesmo o desconsolo medra!

Mas eu que sei sentir a solidão
Conheço o teu calado coração,
E todo o anseio que tens n'alma, ó pedra!

Fortaleza, 1926

Pela tua visão

Meu grande amor és tu. Tu és o imenso amor
maior que o céu e a terra e bem maior que o mar.
Sem ti há na minh'alma ausência de calor
e falta luz e falta vida no meu lar.

És minha vida, meu sorriso e minha dor!
És meu castelo azul banhado de luar...
Minha vaidade toda, e todo meu ardor
estão em ti, nas tuas mãos, no teu olhar...

Estás inteiramente em mim - na integridade
Escultural do teu perfil, na tua bondade
E no sorriso em flor de essência lirial!

És primavera, outono, inverno e és verão,
és tudo para mim ´virtude e perfeição...
Tu és o meu amor, meu único ideal!

Fortaleza, 1927

Velha Porta

De ti há quanto tempo estou ausente!
e há quanto tempo estás longe de mim!
a nossa porta outrora confidente
parece estar sofrendo um mal sem fim.

Escuto ainda eterna e impenitente,
a gargalhada branca de marfim
que ela soltava infatigavelmente,
ao vires receber-me no jardim.

Tudo mudou. Entanto, agora ainda,
sempfre que o dia mansamente finda
e que me ponho triste a recordar,

ressoa levemente ao meu ouvido,
o infatigável vai-e-vem perdido
da nossa velha porta a gargalhar.

Fortaleza, 1927.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Jangadas




Quedei-me a contemplá-las com surpresa,
as jangadinhas brancas sobre o mar...
esta chegando do perigo ilesa,
partindo aquela como a interrogar!

Todas seguindo a mesma correnteza
velas partindo... velas a voltar...
e quando a trilha muda, que tristeza!
Ai do destino dos que vão pescar


Também no mar da vida enraivecido,
Feliz do jangadeiro destemido,
Que vai e volta pela mesma estrada.

Pois o que segue a esmo... indiferente,
Há de encontrar por certo uma corrente,
Que lhe desvie o curso da jangada.

Fortaleza, 1927

Este poema foi musicado pelo maestro Euclydes da Silva Novo, com pauta musical para piano e canto.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Alma de Mãe

Alma de mãe, que vais, assim vagando,
por esses céus sem fim de azul bonança,
vela por mim que há tanto estou chorando,
distante da ventura e da esperança.

Retorna, Essencia, àquele tempo, quando,
juntinho à ti, eu era ainda criança,
dizias-me a sorrir, num gesto brando:
- meu filho, o amor das mães jamais se cansa.

E agora, que és do céu e que és de neve
Vem doce amor, pousar tua alma leve,
Por sobre a dor que o peito meu percorre.

Dá-me os carinhos teus que nunca tive,
- sublime alma de mãe que sempre vive,
- celeste alma de mãe que nunca morre!

Fortaleza, 1926

A mãe do autor (foto acima) chamava-se Maria das Dores Furtado de Paula (1883 - 1920)

Oferenda



Para estes cabelos de trigal maduro
E para estes olhos de azulínea cor,
- a melhor esperança de futuro,
que andei colhendo para o nosso amor!

Fortaleza, 1926.

terça-feira, 17 de maio de 2011

REMINISCÊNCIAS

Apresentação que fiz, no livro do meu pai, Francisco Cavalcanti Filho, aos 30 anos de morte do Chico Poeta, que se autointitulava “O Vate Apaixonado”. (Paulo Afonso de Paiva Cavalcanti):

FRANCISCO CAVALCANTI FILHO é natural de Ubajara, Ceará, de onde veio cedo para Fortaleza, prosseguir seus estudos no Colégio Militar. Foi aspirante de Infantaria, na turma de 1931, na Academia Militar de Realengo, no Rio de Janeiro. Oficial, voltou à Fortaleza, onde serviu no QG da 10ª Região Militar e no Colégio Militar, do qual foi secretário.
Mas é o seu lado poético, romântico, que se destaca nesta coletânea, organizada por ele, e que denominou REMINISCÊNCIAS. Ela contém poemas escritos nesta fase, de Colégio Militar, Academia Militar, onde ficou conhecido como o CHICO POETA, e, uma escrita a bordo do navio Almirante Jaceguay, em trânsito de Fortaleza para o Rio de Janeiro. A exceção é “O CARREIRO DE EXTREMOZ” que ele escreveu em Natal, em 1954, mas que incluiu nesta coletânea.
O poema “O CARREIRO DE EXTREMOZ”, recebeu música de José J. Carvalho, para canto orfeônico em quatro vozes. Aliás, também estão nesta coletânea, os poemas “JANGADAS”, de 1927, musicado pelo maestro Euclydes da Silva Novo, com pauta para piano e canto, e ainda o poema “CANÇÃO DE IRACEMA”, de 1928, musicado pelo mesmo maestro, para canto orfeônico em quatro vozes.
Sua veia poética aflora a cada linha, em trechos onde objetos inanimados, ganham vida, voz, alma lírica, como a sua. É o caso de “jangadas que interrogam”, da “velha porta a gargalhar”, “pedras que sonham indiferentes”, ou ainda, quando vê o farol de Mucuripe, como humano, atribuindo-lhe coração e sentimentos.
Mesmo nos difíceis dias em que viveu as crises que a nossa história registrou, não permitiu jamais que o seu lado “soldado” endurecesse o coração do poeta apaixonado.
Do pequeno CHICO POETA que vendia versos aos colegas do Colégio Militar, em Fortaleza, por alguns trocados para o cinema, ao generalato, no ápice da carreira, nunca deixou de escrever, com muito amor e romantismo, mesmo nos piores dias para o País ou para o seu coração.
A inspiração e a beleza que afloram em seus versos prendem para sempre os que o leem pela vez primeira. De onde, de que espírito tão puro, vem tanta beleza? E, onde está a beleza da solidão, do inconformismo, do arrependimento, da morte? Disse Anatole France, “in Vie Literaire”: - “Creio que jamais conseguiremos saber, porque motivo uma coisa é bela”.
Esta frase, embora vindo de um autorizado artista, não nos obriga a demorar na busca desta certeza. Será a beleza uma coisa objetiva, ou somente uma ideia pessoal, subjetiva? Não sei. O que me basta saber, - nisso não paira sombra de dúvida, - é que todos os corações que pulsam na terra sentem o apelo do belo.
Quando um artista, um gênio, perde toda a sua força espiritual e sua alma decai, este ainda poderá assomar à borda do abismo e ser salvo se tiver preservado com ele esse único bem: o senso de beleza.
Fui testemunha, das inúmeras vezes em que ele ressurgiu exuberante e belo, dos muitos abismos em que teimavam atirá-lo. Inútil, ele retornava paciente, desprendido, sábio, carinhoso e apaixonado, em busca da nunca esquecida beleza.
Aos que não o conheceram, está em tempo, seus poemas refletem sua vida. Alternam perspectivas, arrependimentos, inconformismos, fatalidades, aflições, sempre exibindo o belo como alternativa.
Itaitinga, CE, 21/11/1997.